As
vaquejadas ainda são uma tradição no interior do Nordeste, principalmente no
Sertão. Mas nem sempre os admiradores desses eventos que entram para o
calendário cultural e festivo de alguns municípios percebem a beleza da arte
que está por trás das vestimentas e acessórios do vaqueiro – gibão, perneira,
peitoral e chapéu de couro – feitos com maestria por quem abraça um artesanato
digno de exportação. Quem visitar a zona rural de Salgueiro (Sertão Central),
não deve deixar de conhecer a Fazenda Cacimbinha, onde vive uma família que há
um século perpetua o ofício de transformar pedaços de couro em peças
artesanais.
Na
linha de frente da terceira geração está o jovem Irineu Batista, 47, conhecido
como Irineu do Mestre, que mantém a produção iniciada em 1909 por seu avô,
Mestre Luiz. A arte também foi herdada do pai, Zé do Mestre, que chegou a
fabricar vestimentas (só gibões) para o amigo Luiz Gonzaga, o ex-presidente
Emílio Garrastazu Médici, o rei da Espanha, Juan Carlos, e até o papa João
Paulo II, em sua última visita ao Brasil. As peças também chegaram às mãos do
escritor Ariano Suassuna, do ex-governador Eduardo Campos e o ex-presidente
Lula.
Junto
com a esposa e três filhos na linha de produção, Irineu dá continuidade à arte
que está no DNA da família. Muitas vezes, escuta os palpites do pai, Zé do
Mestre, que mesmo com problemas de saúde, aos 81 anos, continua rabiscando,
cortando e costurando novas peças. Como se sente responsável por expandir o
legado artístico, ele garante que há um peso de responsabilidade e cuidados
para não perder a originalidade, pois cada geração foi marcada por um tipo de
produção.
Seu
avô era conhecido como exímio artesão de calçados, chegando a fazer seu
primeiro par de sapatos e sandália ainda menino. “Ele era muito pobre e realizou
o sonho de fazer sua primeira peça aos 13 anos. Começou a vender sua produção
sobre jumentos carregados em cidades da região”, conta Irineu. Já Zé do Mestre
abraçou o artesanato a partir da roupa de vaqueiro, enquanto Irineu se
encontrou na produção do chapéu de couro. Quando mais novo, Zé do Mestre
costumava fazer aboios enquanto Irineu faz improvisos na poesia popular.
As
peças em couro assinadas por Irineu também chegaram às mãos de artistas e
políticos. Ele entregou em mãos, chapéus a Gilberto Gil, Zé Ramalho,
Dominguinhos, Fagner e Targino Gondim. “Produzi peças também para os
presidentes Lula e Dilma Rousseff com o símbolo do nosso time da terra, o
Carcará”, diz ele, que já enviou peças para serem comercializadas até em Milão,
na Itália.
Ainda do exterior tem
recebido encomendas de países como Bolívia, Paraguai e Estados Unidos. A vida
de Zé do Mestre e de sua família foi contada em uma exposição montada este ano
com o tema Sertão de Zé do Mestre, que incluiu fotografias, vídeos, peças em couro,
ferramentas de trabalho e mostra de documentário. A exposição passou por várias
cidades, incluindo o Recife. (JC).